Psicanálise, Psicologia, Psiquiatria: risquem do seu vocabulário as palavras "transsexuaLISMO" e "homossexuaLISMO". Use: transsexiaLIDADE e homossexuaLIDADE.
No contexto da saúde mental, os termos escolhidos para descrever comportamentos, identidades e experiências carregam significados que vão além de sua definição técnica.
A linguagem molda nossa percepção do mundo, define interações sociais e afeta profundamente as dinâmicas de poder e exclusão. No contexto da saúde mental, os termos escolhidos para descrever comportamentos, identidades e experiências carregam significados que vão além de sua definição técnica. Eles refletem valores culturais, crenças históricas e atitudes sociais. Por isso, é essencial reconhecer o impacto das palavras, especialmente quando nos referimos a grupos marginalizados, como a população LGBTQIA+.
O uso das palavras "transsexualismo" ou "homossexualismo" no Brasil pode incorrer em crime por configurar discurso discriminatório, ferindo o artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, que criminaliza práticas de preconceito por orientação sexual e identidade de gênero, equiparadas ao racismo.
Os termos “transsexualismo” e “homossexualismo”, por exemplo, carregam um histórico de patologização que contribuiu para discriminação, exclusão e violência. Embora avanços científicos e mudanças promovidas por instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenham despatologizado essas identidades, o uso persistente desses termos contradiz princípios éticos e reforça preconceitos históricos.
Neste texto, discutiremos a origem dos termos, o processo histórico de despatologização e o impacto do uso de terminologia preconceituosa. Também analisaremos o papel das instituições, dos movimentos sociais e das teorias críticas na promoção de práticas inclusivas, destacando a responsabilidade dos profissionais de saúde mental na adoção de uma postura ética e transformadora.
A Origem e Evolução dos Termos “Transsexualismo” e “Homossexualismo”
Surgimento no Contexto Médico
Os termos “transsexualismo” e “homossexualismo” surgiram no final do século XIX e início do século XX, quando a medicina e a psiquiatria começaram a categorizar comportamentos e identidades sexuais dissidentes. O sufixo “-ismo”, comum na nomenclatura médica, designava condições vistas como desvios patológicos. Assim, tanto a transexualidade quanto a homossexualidade foram enquadradas como transtornos, exigindo diagnóstico e intervenção.
Esse enquadramento reforçou a percepção de que identidades LGBTQIA+ eram desvios a serem corrigidos. Ao longo do século XX, essa visão foi usada para justificar práticas nocivas, como terapias de conversão, amplamente condenadas por sua ineficácia e danos psicológicos severos.
Despatologização e Resistência
Em 1990, a OMS retirou a homossexualidade do rol de transtornos mentais na Classificação Internacional de Doenças (CID). Essa mudança representou uma vitória do ativismo LGBTQIA+ e do progresso científico, reconhecendo a orientação sexual como parte da diversidade humana.
De maneira semelhante, a transexualidade foi reclassificada como “incongruência de gênero” em 2019, com a entrada em vigor da CID-11. A alteração buscou reduzir o estigma e facilitar o acesso a cuidados de saúde, especialmente em contextos onde o diagnóstico médico é necessário para terapias hormonais e cirurgias de afirmação de gênero.
Apesar desses avanços, o uso de termos como “transsexualismo” e “homossexualismo” persiste, evidenciando uma resistência à evolução cultural e científica, o que perpetua preconceitos históricos e viola os princípios éticos.
Organização Mundial da Saúde (OMS)
A OMS desempenhou um papel central na despatologização de identidades LGBTQIA+, promovendo mudanças fundamentais na CID. Essa reclassificação reflete avanços científicos e demandas de movimentos sociais por maior equidade e justiça.
Conselhos e Associações Profissionais
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem liderado esforços nesse campo. A Resolução CFP nº 01/2018 orienta psicólogos(as) a não tratarem identidades de gênero e sexualidade como patologias, promovendo abordagens afirmativas que respeitam a autonomia e dignidade dos pacientes.
Ativismo LGBTQIA+
Movimentos como Stonewall nos Estados Unidos e o Grupo Gay da Bahia no Brasil foram fundamentais na luta contra a patologização e na promoção de políticas inclusivas. Essas organizações moldaram uma linguagem que respeita a diversidade e valoriza a humanidade de todas as pessoas.
Uso de Terminologia Preconceituosa
A persistência de termos patologizantes como “transsexualismo” e “homossexualismo” tem implicações graves. Mais do que uma questão de semântica, essas palavras reforçam estereótipos e narrativas de anormalidade, contribuindo para o estigma e exclusão social.
Pesquisas apontam que pessoas LGBTQIA+ enfrentam maior vulnerabilidade a transtornos como ansiedade, depressão e ideação suicida quando expostas a linguagem discriminatória. Judith Butler, em Problemas de Gênero (1990), destaca que a linguagem não apenas descreve, mas molda realidades sociais, influenciando a forma como indivíduos são percebidos e tratados.
Um Chamado à Transformação
A linguagem é uma ferramenta poderosa para perpetuar preconceitos ou promover inclusão. Adotar termos como “transexualidade” e “homossexualidade” em vez de “transsexualismo” e “homossexualismo” é um passo essencial para construir uma prática ética e inclusiva na psicanálise, psicologia e psiquiatria.
Essas áreas compartilham a responsabilidade de transformar suas práticas, abandonando terminologias ultrapassadas e afirmando o compromisso com a dignidade humana. Ao liderar esse esforço, podemos contribuir para uma sociedade mais justa e respeitosa.
O uso dos termos "transsexualismo" ou "homossexualismo" no Brasil pode ser entendido como uma prática discriminatória, especialmente quando empregado em contextos que reforçam preconceitos ou inferiorizam pessoas LGBTQIA+. Isso se deve à carga histórica de patologização associada ao sufixo "-ismo", que implica a ideia de desvio ou doença. Assim, persistir no uso desses termos não apenas contraria avanços científicos, mas também reforça o estigma social.
No Brasil, tal atitude pode configurar crime por violar o artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, que pune práticas de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, equiparadas ao racismo. Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a LGBTfobia deve ser tratada dentro do escopo dessa lei, estabelecendo que discursos ou comportamentos que promovam exclusão ou inferiorização de pessoas LGBTQIA+ são ilegais. O uso de terminologia inadequada em contextos profissionais, como saúde mental, pode ser interpretado como um desrespeito aos direitos humanos, agravando o sofrimento de pacientes e perpetuando desigualdades.
Os termos corretos, "homossexualidade" e "transexualidade", refletem avanços éticos e científicos e estão alinhados com os princípios de dignidade e igualdade previstos na Constituição Federal. Optar por essas expressões é não apenas um compromisso com a justiça social, mas também uma obrigação ética e legal para profissionais de saúde, educadores e outros agentes públicos. A linguagem inclusiva é um instrumento essencial para combater o preconceito e assegurar o respeito aos direitos fundamentais de todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
Portanto, insistir no uso de "transsexualismo" ou "homossexualismo" não é uma mera questão semântica, mas uma forma de violência simbólica que pode ter implicações legais, configurando discriminação e ferindo a dignidade das pessoas LGBTQIA+. Para construir uma sociedade mais igualitária e inclusiva, é essencial que todos, especialmente os profissionais de saúde, reconheçam a importância da terminologia e adotem práticas respeitosas e alinhadas às normas legais e éticas.
Despatologização como Marco de Direitos Humanos
A transexualidade, compreendida como a identificação de um indivíduo com um gênero distinto do atribuído ao nascimento, foi durante muito tempo considerada uma condição patológica. Essa visão alimentou práticas discriminatórias, exclusões sociais e intervenções médicas invasivas sem a devida consideração da autonomia e dignidade do sujeito. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao remover a transexualidade da lista de transtornos mentais na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) em 2019, marcou um momento histórico na luta pelos direitos humanos.
Essa reclassificação da transexualidade como "incongruência de gênero" desloca o foco da doença para o reconhecimento da diversidade humana. Nesse contexto, a psicanálise é convocada a repensar sua abordagem, abandonando perspectivas patologizantes e adotando uma prática que respeite a subjetividade e os direitos das pessoas trans.
A Psicanálise e a Transexualidade: Reflexões Teóricas
Sigmund Freud, fundador da psicanálise, abriu as portas para uma compreensão mais ampla da sexualidade humana ao afirmar que ela é intrinsecamente fluida e plural. Em "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade" (1905), Freud sustentou que a sexualidade não se limita à reprodução, sendo marcada por formas variadas de expressão e desejo. Essa visão foi um avanço para sua época, embora não tenha contemplado diretamente questões de gênero.
Jacques Lacan, ao reformular a psicanálise sob a ótica da linguagem e do desejo, trouxe contribuições valiosas para a compreensão da transexualidade. Lacan destacou que o sujeito é constituído no campo simbólico, onde o nome e o desejo desempenham um papel crucial. Ao enfatizar o impacto do significante, Lacan nos ajuda a entender como a identidade de gênero se articula em um mundo que frequentemente marginaliza as experiências trans.
No Brasil, psicanalistas como Jurandir Freire Costa e Maria Rita Kehl se posicionaram criticamente contra a patologização das identidades LGBTQIA+. Freire Costa, em "A Invenção de Si" (1992), argumentou que a medicalização das sexualidades dissidentes não é neutra, mas uma ferramenta de controle social. Ele destacou que a psicanálise deve reconhecer a singularidade de cada sujeito, rejeitando diagnósticos que reduzem a experiência trans a uma disfunção.
Psicanalistas Transsexuais e Suas Contribuições
Nos últimos anos, psicanalistas trans têm desempenhado um papel fundamental na transformação do campo. Entre os nomes internacionais, destaca-se Eva Haque, uma psicanalista canadense, cujo trabalho aborda a importância de validar a experiência subjetiva das pessoas trans. Haque afirma: “A psicanálise deve ser um espaço de escuta radical, onde o sujeito possa encontrar reconhecimento e não julgamento.”
No Brasil, uma figura importante é a psicanalista e ativista Jaqueline Gomes de Jesus, que integra discussões sobre gênero, sexualidade e psicanálise em sua prática. Ela defende que a psicanálise precisa “romper com narrativas patologizantes e afirmar a diversidade como parte da saúde psíquica.” Jaqueline contribui para a construção de espaços terapêuticos seguros para pessoas trans, promovendo uma abordagem afirmativa.
A Despatologização e o Impacto na Clínica Psicanalítica
A despatologização da transexualidade trouxe mudanças importantes para a prática clínica. Os psicanalistas são desafiados a abandonar conceitos obsoletos e a reconhecer a transexualidade como uma expressão legítima da subjetividade humana. Essa mudança exige um deslocamento ético: ouvir o sujeito em sua singularidade, sem impor diagnósticos que reforcem preconceitos ou normas hegemônicas.
Um exemplo significativo é o caso de Mariana (nome fictício), uma mulher trans de 29 anos que buscou análise devido a um intenso sofrimento psíquico relacionado ao ambiente de trabalho. Mariana relatou discriminação constante, que minava sua autoestima e contribuía para sintomas de ansiedade. A abordagem afirmativa do psicanalista permitiu que ela ressignificasse essas experiências, fortalecendo sua capacidade de lidar com o preconceito. Esse caso ilustra como a psicanálise, quando praticada com sensibilidade e respeito, pode ser transformadora.
Outro exemplo é o caso de Rafael, um homem trans adolescente que enfrentava conflitos familiares após iniciar sua transição social. Durante as sessões, o analista ajudou Rafael e seus pais a explorarem suas angústias e medos, promovendo um diálogo que resultou em maior aceitação e apoio familiar.
Apesar dos avanços, há resistência significativa à despatologização da transexualidade. Alguns profissionais de saúde mental continuam a usar termos como "transsexualismo", perpetuando visões patologizantes. Essa postura não apenas contradiz as recomendações da OMS, mas também viola os princípios éticos da profissão, que exigem respeito à dignidade e aos direitos humanos.
A psicanálise, em particular, enfrenta o desafio de desconstruir tradições teóricas que, em alguns casos, reforçaram narrativas patologizantes. É essencial que os psicanalistas revisitem conceitos e práticas à luz das mudanças culturais e científicas. Como afirma Judith Butler em "Problemas de Gênero" (1990), "a linguagem não é neutra; ela cria e perpetua realidades sociais." Assim, o uso de terminologias e práticas respeitosas é crucial para a transformação cultural e clínica.
A despatologização da transexualidade pela OMS foi um marco importante, mas a luta por respeito e inclusão continua. A psicanálise, enquanto prática terapêutica e campo teórico, tem a responsabilidade de se alinhar com esses avanços. Profissionais devem ouvir as narrativas das pessoas trans com abertura e empatia, abandonando diagnósticos que reforcem estigmas.
Psicanalistas trans e aliados têm liderado esse movimento, mostrando que é possível construir uma clínica inclusiva e ética. Casos como os de Mariana e Rafael demonstram o impacto positivo dessa abordagem, que reconhece a diversidade humana como um valor, e não como uma patologia.
A linguagem, como ferramenta de poder, pode perpetuar preconceitos ou promover transformações. Cabe aos psicanalistas escolherem o caminho da inclusão, contribuindo para uma sociedade onde todas as identidades sejam reconhecidas e respeitadas.
Referências e recomendações:
Butler, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Civilização Brasileira, 1990.
Conselho Federal de Psicologia (CFP). Resolução CFP nº 01/2018.
Freire Costa, Jurandir. A Invenção de Si. Companhia das Letras, 1992.
Freud, Sigmund. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. 1905.
Kehl, Maria Rita. O Tempo e o Cão: A Atualidade das Depressões. Boitempo, 2009.
Lacan, Jacques. Écrits. 1966.
Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Internacional de Doenças (CID-11). 2019.
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