Como era de costume, na hora do almoço, o indivíduo mórbido voltava para sua casa em situação de descanso — ou descaso. Aquela semana havia sido caótica em seu trabalho confuso — esquema. Preparou um bom prato de arroz seco, feijão e ovo molhado. Comeu não resistindo à sua própria satisfação. De barriga cheia, ligou a televisão e começou a presenciar um concurso moderado de mulheres de biquíni. Auge da sua indiferença e legitimidade, propôs a si um orgasmo em situação de alívio. Descolado, cinto curto, calças largas e meia anti-model, se resumiu em um corpo à espera de crueldade — de si, para si. O chanfro já cheirava podre e sua paixão pelo corpo morto na TV entregava seu espasmo contemplativo. Tirou o cinto como quem desfaz um bolo em construção. Puxou o zíper enquanto seus lábios formigavam. Abaixou a cueca e reparou: seu pênis havia se transformado em derramamento de sangue. Jorrava, jorrava, jorrava. Era tanto que, inevitavelmente, o sangue desceu para a porta, correu pelas ruas, entrou em corpos eretos e se desfez na água escorrida do lixo. Era algo mais. A cidade estava em transe caótico. Os movimentos eram tanto que, na base de trás de sua própria refeição seca, havia um bando de jornais enxutos, prontos para serem lambidos. Diziam: ‘’Revolução ou escarne!’’
Que diferença faz agora? O que lhe fazia descolado, tímido, amplo, aberto, agora o faz linguagem, pela sua simples inexistência. Como masturbar o sangue? Como jorrar porra sem o tudo de infecção?
Contemplou sua nova forma de vida. Olhava para as mulheres na TV e lembrava dos bons velhos tempos radiofônicos. Ali se deu a tragédia — agora era só aceitar. Com as mãos, num movimento de extrema força e brutalidade, abriu sua barriga no intuito de observar sua máquina voraz. Era tempo, era tarde. O trabalho vem às pressas! Sua modalidade havia mudado o rumo. Era almoço.
O tempo escorre em formas abissais. A criança geme do lado de fora. O anão aponta uma longa lança para Deus e observa: tempos mudos, mundos, soltos, saltos. Saltos sem mais símbolos e miséria. Agora é o óbvio, o absurdo, o fato único e verdadeiro.
Jorre, sangue
jorre enquanto arde
talvez, até mais tarde,
possa se transformar em uma cidade.
Oh, Dylan, quente. Agora sorri pra mamãe, sorri! Lindo, lindo, lindo!
E seria isso exatamente o que estamos vivendo no contemporaneidade? Nem mesmo o erótico está a salvo...
Você domina bem as expressividades da narração, Luan, cada palavra ressoa e ecoa como um golpe crítico ao mundo civilizado, conforme a minha interpretação. Há outros sentidos aqui, mas deixo de comentar sobre eles para que os próximos leitores se entreguen à imersão na leitura plenamente.