Alivium
A paisagem se repete. O vento continua aceso. Saio, dou quadras em voltas. Me reduzo a serpente atormentada. Permeio as bordas, sobretudo a mais extensa, e causo processos de crise. É borda atrás de borda. A vela ainda acesa, o morto ainda resmungando — ápice do sexo. Estou caminhando em cima de uma bunda sem ânus, sem cu. O funil não marca seu território. Não tenho onde cair — é tudo queda. Agora, por ocasião, noto: é inútil tentativa de revolta. Aquele que escreve, se desfaz em sua podridão inútil. O alegre se frustra ao perceber a inexistência do ânus. O sol. Sol.
Talvez, por meio de delírios e esquisitices, possam me fazer rei. Rei do sol negro, vulcão, perna caída em bandeja de aço. Afinal os dedos andam lisos, tentando rasgar o seio do pai. Não há espírito santo nem crueldades favoráveis a cenas fatais. Não existe vácuo operado nem confusões não solucionadas — é tudo é. É. É.
Olho para cima: a paisagem se repete. Não espelhos — serpente. Deito. Quero enfiar minha cabeça naquela pele. Não sou estático nem histérico. Quero mover. Sinto a textura da minha mão sobre a pele crescida, já velha. Cheiro de suor, de merda, de descaso indissolúvel. Faço parte da consideração universal? Não. São planos e símbolos. Ser escritor é fácil — basta sentar a bunda e não mover um pé. Qual a qualidade? Fútil. Prefiro ficar deitado no lugar onde o ânus deveria existir. Prefiro sentir aquele cheiro podre, vivo, carne, sangue correndo por baixo da coberta de pele. É a visão que me envolve; o toque que me abraça e causa dor e prazer. Quase morro: nunca fiquei tão feliz estando vivo. A morte, só a morte, conseguiria colocar, naquela bunda, um ânus. Elevar o sol até o inferno e trazer para a orgia, anjos caídos. Deito olhando para o escuro. Meu pau ainda pulsa, ainda ferve. Sinto prazer, aquela sensação de lapso interrompido. Laço.
É. É. É.
Passo a língua na pele imensa. Quero morder. Quero entrar. Quero entender e fazer parte daquela competição de luxo. Quero perder meus excessos — e isso se molda em excesso. Desperdiçar tudo até perceber que tenho mais. Transgressão acolhedora, moldura do fascismo que rege meu cérebro. Berro — não há som. Busco o sol — não há berro. Procuro vertigem — não encontro espelho. Decido, por medida parcial, permanecer ali até virar cu.