#3 — O amor que buscamos nas palavras que calamos: Espinhas no rosto e ausência de carinho * Parte 1
O paciente chegou no consultório e suas espinhas revelavam muito mais do que acne: elas gritavam a falta total de prazer e carinho em sua vida.
Continuando a Newsletter O amor que buscamos nas palavras que calamos, agradecendo os cometários na #1 News em que apresentei um dos casos clínicos mais desafiadores que atendi em meu consultório, hoje gostaria de falar sobre o que acontece quando não vivemo nossas vontades ou nossos desejos. O que acontece em nosso corpo quando somatizamos a total falta de prazer externo?
Eu não sei se entendi. Então as minhas espinhas possuem relação com… eu não ter coragem de me tocar intimamente por isso ser um pecado? Isso não faz sentido nenhum! Eu vou embora! (nesse momento ele espreme uma espinha com os dedos)
Quando ele chegou no consultório, tinha apenas dezoito anos de idade. Ele tentava cobrir com a franja, que descia como uma cascata cheia de fios de cabelos pela sua face, o fato mais marcante de seu corpo: as espinhas que transbordavam em sua face. Vez ou outra o paciente estourava uma das espinhas de forma totalmente inconsciente.Sim, era um fato do corpo. Uma marca. Ou, como escreveu o psicanalista Lacan, o significante.
O significante é um termo técnico que Lacan usou para se referir ao som ou à imagem que representa um objeto ou conceito. Por exemplo, a palavra “mesa” é um significante que representa um objeto com uma superfície plana e pernas. O significado, por sua vez, é o conceito ou ideia que o significante representa. (Link).
E a pergunta que se impunha, era: o que significava aquele acúmulo de espinhas na vida dele? Era justamente por esse caminho que eu pensei que deveria seguir na análise enquanto ele me contava sobre a sua vida.
Filho único de uma família pertencente a igreja Testemunhas dos Santos dos Últimos Dias, portanto, uma igreja Mórmon, ele sempre fora colocado na família quase como um mito: “o escolhido de Deus como uma liderança para a próxima vida” e, além disso, “o filho que nunca decepcionaria os pais” (o que quer que isso signifique), nas palavras dele.
À todo momento, em que eu fazia perguntas sobre o impacto dessas expectativas em sua vida, ele toca algumas das espinhas. E quando eu perguntava o que significava ele tocar as espinhas justamente nessas questões, ele dizia “eu toquei? nem percebi”.
Para Lacan, o significante não é apenas um som ou imagem, mas também um objeto simbólico que adquire significado através das relações sociais e culturais que moldam nossa compreensão do mundo. Essas relações sociais e culturais, por sua vez, são influenciadas pela linguagem, que é a forma como as ideias e experiências são transmitidas entre as pessoas. Ele afirmou que os significados são construídos a partir dos significantes através de processos psicológicos inconscientes, como a projeção e a identificação. Esses processos permitem que as pessoas atribuam significado aos seus pensamentos e sentimentos (link).
E ao passo que as sessões evoluíam, ficava cada vez mais evidente que existia uma íntima relação entre o papel da igreja, as expectativas dos pais e as vontades e desejos que ele suprimia em sua vida. Nas vezes em que essas questões entravam em conflito em algumas das sessões, ele sempre faltava na próxima. Dizia que tinha uma febre “no rosto inteiro, as espinhas ficam à flor da pele”. E literalmente era a pele que delimitava, também, uma outra questão: o contato físico inexistente dentre os membros da família dele. Não se recebia nem beijos ou abraços em seu núcleo familiar. “Isso não pode, temos que garantir a castidade e a virgindade para que sejam aceitos no reino de Deus, então temos que treinar desde agora é o que meus pais me ensinaram”, dizia ele com um olhar vago e muito triste. Um dia, em um final de sessão, eu dei um aperto de mão firme e ele disse “nossa, nem na escola eu podia tocar meus amigos, que aperto de mão reconfortante”. Eu fiquei muito pensativo sobre isso e entendi que a demanda dele por amor, como é quase a de todos nós, estava produzindo uma vida vazia e que logo mais uma grande depressão iria tomar conta dele. Foi aí que eu tomei uma decisão, tocar em um assunto que era tabu e que ele sempre evitava: as questões de sexualidade.
Eu até já tentei tocar meu pênis (ele espreme uma espinha), mas só de pensar nisso eu fico triste comigo mesmo (ele espreme outra espinha e dá um leve sorriso). Meus pais dizem que tomar banho de roupa é sinal de respeito à Deus. Então eu deixo a cueca até o final do banho e só retiro quando vou me secar, trocando por uma cueca (ele dá um sorriso e espreme outra espinha) seca e limpa.
Continua…
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